sábado, 18 de outubro de 2008

Poder Executivo utiliza projeto de lei nº 3.021/2008 para criar novas regras

Eis o texto que li no blog da Claudia Amaral, do Advogado Sergio Roberto Monello. Trata da questão da imunidade de contribuições sociais das entidades de Terceiro Setor. Achei interessante postar no blog para entendermos como os nossos legisladores vêm tratando o assunto.

"As organizações sociais assistem, mais uma vez, a pretensão de ser disciplinada a execução de suas atividades e de sua qualificação, bem como o estabelecimento de regras para o gozo de sua imunidade de contribuições sociais, conceituada de modo equivocada como isenção. Por meio do projeto de lei nº 3.021/2008, o Poder Executivo busca criar novas regras para certificação das entidades beneficentes de assistência social e, ainda, regulamentar a isenção (imunidade) das contribuições sociais.

• Aspectos gerais: este projeto de lei objetiva dividir e distribuir as entidades beneficentes de assistência social de acordo com sua natureza, chegando ao ponto de obrigar a divisão e descentralização da pessoa jurídica em várias outras, com objetivo de direcioná-las à supervisão de cada ministério a que estarão sujeitas suas atividades.

• Aspectos constitucionais: além da interferência estatal nas entidades, o grande equívoco do PL é tratar a imunidade de contribuições para a Seguridade Social, prevista no parágrafo 7° do art. 195 da Constituição Federal, como se fosse efetivamente isenção, como foi tratado pelos decretos nº 752/93 e nº 2.536/98, além da manutenção da exigência de prestação de serviços gratuitos para compensar a desoneração tributária usufruída.

O PL nº 3.021/2008 fere o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal ao revogar o art. 55 da lei n° 8.212/91. O parágrafo 1° do art. 55 da lei nº 8.212/91, em plena consonância com a Constituição Federal, reconhece o direito adquirido das entidades beneficentes de assistência social que estavam no gozo da isenção (imunidade) de contribuições para a Seguridade Social por força do decreto-lei n° 1.572/77. Ora, o inciso XXXVI do art. 5° da Constituição Federal dispõe que a “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Portanto, a Constituição Federal está sendo ferida pela omissão e exclusão do reconhecimento do direito adquirido assegurado às entidades beneficentes de assistência social que gozavam da isenção da quota de Previdência Social em 1º de setembro de 1977.

O art. 32 do novo PL dispõe que a organização que atue em mais de uma das áreas de atividades, ou seja, educação, saúde e assistência social, deve, no prazo de 12 meses da publicação da lei, criar tantas pessoas jurídicas quanto suas atividades, ou seja, determina a cisão de atividades.

Esta sugestão do projeto de lei, embora salutar para a administração de algumas entidades beneficentes, fere o art. 5º, inciso XVIII da Constituição Federal, que estabelece que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Ora, ao assim dispor, o PL está ferindo frontalmente o art. 5°, inciso XVIII da Constituição Federal, visto que o Estado não pode de maneira alguma interferir no funcionamento das organizações sociais.

Para melhor organização das entidades beneficentes e acompanhamento pelos ministérios a que suas atividades estiverem sujeitas, o projeto poderia sugerir que sejam criadas pessoas jurídicas distintas por cisão/desmembramento, mas nunca determinar o procedimento de separação às entidades já existentes.

Incorre no mesmo equívoco dos decretos nº 752/93 e nº 2.536/98, ao determinar no art. 14 que as organizações beneficentes de assistência social educacionais devam aplicar anualmente em gratuidade pelo menos 20% da receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações financeiras, locação de bens, venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e doações particulares, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruída. Quanto à entidade da área da saúde, para ser considerada de assistência social e fazer jus à certificação (art. 4° do PL), deve ofertar a prestação de todos os seus serviços ao Sistema Único de Sáude (SUS), no percentual mínimo de 60%, e comprovar anualmente o mesmo percentual em internações realizadas, medida por paciente-dia.

Pela redação do art. 14 do PL, o Estado faz com que a entidade beneficente de assistência social educacional pague sua isenção de contribuições sociais usufruída com gratuidades. Sem levar em conta o conceito de imunidade, mas utilizando-se do conceito de isenção, verifica-se que o art. 14 do PL desrespeita o próprio conceito legal de isenção, visto que esta “é a dispensa de pagamento de um tributo devido”, e não pagamento ou mesmo compensação por outro meio. Ao conceder gratuidades que lhes consomem recursos, a organização está pagando as contribuições sociais como se devidas fossem.

Ao exigir que a entidade beneficente de assistência social educacional conceda gratuidades em valor acima do valor da isenção sobre as folhas de pagamento, o Estado está exigindo delas o pagamento de contribuições sociais em valor acima daquele que as empresas pagam. Tal procedimento, além de inconstitucional, viola princípios de Direito Previdenciário e Tributário e o Código Tributário Nacional (lei nº 5.172/66).

Portanto, pelo preceituado no art. 14 do PL, não existe isenção de contribuições sociais, mas uma maneira diferente de pagá-las, em detrimento do disposto no parágrafo 7º do art. 195 da Constituição Federal. Também, pelo mesmo projeto de lei, o Estado está condicionando o exercício do direito de imunidade à concessão de gratuidades para as entidades beneficentes de assistência social da educação e, para as entidades beneficentes de assistência social da saúde, a opção pelo SUS, sobrepondo a toda a doutrina do Direito que trata da imunidade.

• Aspectos legais: ao revogar o art. 55 da lei n° 8.212/91, o projeto de lei está ignorando e suprimindo a disposição legal que dispõe tanto sobre o direito adquirido das organizações de assistência social quanto sobre a isenção (imunidade) de contribuição para a Seguridade Social. Por força do art. 55 da lei nº 8.212/91, a entidade beneficente de assistência social da saúde, da educação e da assistência social não sofrem a incidência de contribuições sociais sobre suas folhas de pagamento (art. 22).

E mais, para aquelas que gozavam da isenção da quota patronal de previdência social em 1º de setembro de 1977 e atendiam à legislação vigente anterior, ficou-lhes ressalvado no parágrafo 1° desse artigo o direito adquirido a essa isenção, em decorrência do disposto no decreto-lei n° 1.572 de 1° de setembro de 1977. Pelo projeto de lei, é vedado às entidades beneficentes dirigir suas atividades a público restrito, categoria ou classe, ou ainda, visar o benefício exclusivo de seus associados.

• Aspectos administrativos: para que as atuais organizações de assistência social, assim reconhecidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que atuam em mais de uma área – ou seja, saúde e/ou educação e/ou assistência social –, queiram continuar gozando da isenção (imunidade) de contribuições para a Seguridade Social, pelo art. 32 do projeto de lei, serão obrigadas a proceder à cisão/desmembramento de suas atividades, com criação de pessoas distintas para cada pessoa jurídica.

Este procedimento de separação de atividades pode ser salutar à entidade beneficente, visto que em cada uma de suas áreas de atividades poderá segregar adequadamente seus custos e proceder a uma melhor administração.

• Aspectos religiosos: com a disposição contida no art. 32 do PL, as atividades religiosas também devem ser separadas das demais áreas, da mesma maneira que ocorre em saúde, educação e assistência social. Com a cisão/desmembramento das atividades religiosas, as organizações podem se constituir corretamente como tal, como estabelece o Código Civil Brasileiro (lei nº10.406/02)."


Sergio Roberto Monello
Advogado, contabilista, professor, Salesiano cooperador, sócio da Advocacia Sergio Monello e do Escritório Contábil Dom Bosco.
Revista Filantropia - OnLine - nº171

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